Mesmo com a emancipação feminina no mercado de trabalho, os homens ainda saem à frente na questão salarial. Levantamento realizado pela empresa de recrutamento Catho entre 18.346 entrevistados apontou que 35,9% dos homens receberam aumento salarial, contra 32,3% das mulheres.
A pesquisa revela também que, em 41,1% dos casos, a premiação dos homens é justificada por boa performance; já a bonificação das mulheres acontece por promoção de cargo ou aumento geral nos salários da empresa. “Os homens muitas vezes recebem aumento pelo potencial, enquanto as mulheres só podem contar com um incremento no salário depois de mostrar que merecem”, explica Telma Souza, diretora de recursos humanos da Catho.
Para pesquisadores da área de gênero, essa desigualdade salarial está ligada à cultura social na qual o homem é considerado o principal provedor da família; já à mulher, ainda cabe o papel de dar à luz e cuidar dos filhos. “Existe uma divisão sexual do trabalho em que a mulher fica com as tarefas domésticas, e o homem seria o provedor da família. Como a mulher é vista como mais vinculada ao lar, ela seria menos meritória para ganhar um posto de maior visibilidade ou de maior remuneração. Isso por causa da falsa ideia de que se dedicaria menos ao trabalho”, afirma a secretária executiva de políticas públicas para as mulheres do governo federal, Lourdes Bandeira.
“No entanto, não é isso que notamos. Geralmente a mulher faz hora extra para poder reafirmar sua posição na empresa ou no mercado”, acrescenta. Telma Souza concorda: “A nossa história de conquistas no mercado ainda é muito recente. As empresas ainda consideram o fator da maternidade. As mulheres têm pouca disponibilidade para se mudar por causa do cuidado com a família, por exemplo, além de terem que assumir a segunda jornada de trabalho com os filhos”, explica.
Filhos X trabalho
Além do trabalho fora de casa, as mulheres precisam se dedicar às atividades não remuneradas, como os afazeres domésticos. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2007, as mulheres com mais de 10 anos se dedicavam 22,3 horas semanais ao trabalho doméstico. Já os homens se dedicavam apenas 5,2 horas.
Para Rosana Sousa, dirigente interina da secretaria de políticas para mulheres da Central Única de Trabalhadores (CUT), o trabalho doméstico acaba interferindo na vida profissional da mulher — e vice-versa. “O homem pode dedicar a maior parte do seu tempo ao trabalho, mas a mulher tem a jornada em casa. Isso alimenta um machismo muito sutil no mundo corporativo. As empresas não deixam de contratar mulheres, mas as colocam em níveis inferiores de remuneração, por mais que exerçam o mesmo cargo”, comenta Rosana.
Preocupadas com o lar, muitas mulheres também se afastam da carreira. A pesquisa da Catho indica que 53% das profissionais que têm filhos deixam o mercado de trabalho para se dedicar à família. Um quarto delas demora até dois anos para retornar à vida corporativa. Cerca de 18% das entrevistadas nem sequer retorna.
A psicóloga Rafaela Fernandes Rocha, 33 anos, tirou licença durante sete meses na gestação do primeiro filho, João, em 2010. Após a licença-maternidade, tentou retornar ao emprego, mas encontrou uma série de barreiras. “Desde que eu tive meu primeiro filho, tinha certeza que não iria trabalhar mais de oito horas, pois queria cuidar dele. Pedi para trabalhar em casa, sair mais cedo do trabalho, mas não consegui um meio-termo. Fui obrigada a voltar para casa”, conta.
Grávida do terceiro filho e afastada do mercado há três anos, Rafaela pensa em aproveitar o tempo para estudar mais e se dedicar a outras oportunidades. “Sinto que as empresas e o governo deveriam dar mais opções para a mulher. Ninguém deveria exigir que uma mãe fique longe dos seus filhos”, emenda.
A proposta da secretaria da mulher trabalhadora da CUT é que o governo comece a oferecer estruturas que garantam o suporte para a mulher conciliar vida profissional e pessoal. “Enquanto não houver um investimento do governo em políticas públicas para que as mulheres continuem no mercado, essa desigualdade vai continuar. É preciso existir estruturas, como lavanderias públicas, creches no trabalho e escolas de tempo integral para que as mulheres possam se dedicar ao trabalho, conciliando a vida familiar e a profissional”, aponta Rosana Sousa, da CUT.
Para a pesquisadora de gênero do Instituto de Pesquisa Aplicada da Mulher, Tânia Fontenele, ainda existe machismo no mercado de trabalho, o que dificulta o acesso das mulheres aos cargos mais altos e às remunerações mais vantajosas. “Há um favorecimento dos homens. Há processos embutidos das empresas que, mesmo não declarados, resultam nessas disparidades. O que a gente não pode negar é que as transformações sociais são lentas e, por isso, estruturas devem ser repensadas. A jornada de trabalho é um exemplo”, considera a especialista.
Multa contra o machismo
Apesar de o combate à discriminação por gênero ser garantido pela Constituição Federal de 1988, no artigo quinto, já existem propostas para punir as instituições que fizerem essa diferenciação. O projeto de lei 130/2011, aprovado na Câmara Federal, estabelece multa para as empresas que pagarem salário menor para as mulheres que aquele pago aos homens na mesma função. O PL tramita, atualmente, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado Federal e tem previsão de ser votado em plenário até o fim do ano.
De acordo com a senadora Ana Rita Esgairo (PT), relatora do projeto, a multa para as empresas é o valor correspondente a cinco vezes a diferença entre os salários de homens e mulheres verificada mês a mês durante a contratação. “As mulheres têm nos cobrado permanentemente a votação desse projeto, e vamos agilizar para que ele seja votado ainda neste ano. Ninguém está buscando privilégios, mas apenas combater a diferença de remuneração entre homens e mulheres. As mulheres são tão capazes quanto os homens, e já provamos isso. Precisamos que elas sejam tratadas com igualdade”, comenta a parlamentar.
Fonte: Correio Braziliense
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