quarta-feira, 31 de maio de 2017

A nova revolta da vacina

Ao lado dos antibióticos, as vacinas estão entre as grandes conquistas da medicina. Desde que o médico britânico Edward Jenner decidiu inocular um garoto de sete anos com o conteúdo extraído de uma pústula de varíola, em 1796, e descobriu que isso garantia proteção contra a enfermidade, as doenças infecciosas passaram a figurar entre aquelas contra as quais a ciência finalmente possuía alguma forma de controle.

A varíola, que durante séculos dizimou populações, está erradicada desde 1980. A poliomielite, que até décadas atrás deixava crianças sem andar, está em vias de desaparecer graças à vacina. Tamanhas evidências de benefício para a saúde, porém, não são suficientes para os adeptos do movimento anti-vacina, um grupo que cresce em vários países, inclusive no Brasil.

Defensores da ideia de que os imunizantes seriam inócuos ou mais prejudiciais do que benéficos, eles se recusam a vacinar seus filhos, atitude que, segundo especialistas, coloca em risco a segurança das suas próprias crianças e a das que estão ao lado.

SURTOS CATASTRÓFICOS 
A responsabilidade dos anti-vacina no recrudescimento no número de casos de doenças preveníveis voltou à discussão com o surto de sarampo enfrentado na Europa, com sete mil pessoas contaminadas, e em Minnesota, nos Estados Unidos. Desde abril, foram registrados por lá 69 casos da doença. Desses, 65 ocorreram em crianças que não foram imunizadas e um atingiu um bebê que havia recebido apenas uma das duas doses recomendadas. Nas contas das autoridades de saúde americanas, o total de vítimas continuará a crescer, especialmente por causa da negativa de parcela dos pais em vacinar os filhos.

“Teremos surtos catastróficos de sarampo”, disse à ISTOÉ o médico Peter Hotez, diretor da Escola Nacional de Medicina Tropical, do Baylor College of Medicine, nos EUA. Hotez é uma das principais vozes mundiais contra o movimento que prega a não-vacinação. Pelos seus cálculos, apenas no estado americano do Texas há cerca de cinquenta mil crianças não imunizadas. “E o número de pais que fazem essa opção continua a crescer, aqui e na Europa. Nossa outra preocupação é o aumento em países em desenvolvimento, como Índia e Brasil”, afirmou. No País, não há levantamentos sobre o tamanho da tendência. O que se tem são dois indicativos. O primeiro é a cobertura vacinal, que passa por uma pequena oscilação, para baixo. Em 2015, a do rotavírus foi de 95%. Em 2016, de 88%. A de polio, 98% em 2015 e 84% em 2016. No Rio de Janeiro, vinte mil doses da vacina contra o HPV (o vírus é responsável por casos de câncer de colo de útero) podem ir para o lixo se não forem utilizadas até agosto, quando expira a validade. O outro termômetro são os grupos anti-vacina ativos nas redes sociais. No Facebook, eles reúnem mais de treze mil pessoas. 

ELAS NÃO CAUSAM AUTISMO
Há um aspecto interessante no movimento atual contrário às vacinas. Pessoas contra o uso dos imunizantes sempre existiram. Entre os primeiros argumentos usados, estavam razões religiosas – se doenças havia era porque assim Deus desejava e não cabia aos homens interferir nisso -, filosóficas ou medo de reações adversas, por exemplo.

A resistência era maior entre a população mais pobre e menos informada. Foram essas pessoas que se recusaram a serem vacinadas contra a varíola, no Rio de Janeiro, em 1904. Hoje, na nova revolta da vacina, dá-se o contrário. “Ela é maior entre pessoas das classes mais favorecidas”, diz o infectologista Guido Levi, da Sociedade Brasileira de Imunizações e autor do livro “Recusa de Vacinas, causas e consequências”, disponível gratuitamente para download no site da entidade (sbim.org.br).

São indivíduos como o casal Priscila e Alexandre dos Santos, de São Paulo, pais de Jade, de dois anos e dez meses, e de Thor, de dez meses. Os dois procuram usar a menor quantidade possível de remédios, adotam a dieta que consideram a mais saudável e consideram os imunizantes mais tóxicos do que benéficos. “Nosso corpo é uma máquina perfeita e capaz de se tornar forte e imune se for cuidado corretamente”, diz Priscila. Ela e o marido deram às crianças as vacinas obrigatórias por lei. “Mas elas não tomarão nenhuma extra”, afirma. Pais como Priscila e Alexandre têm vários argumentos para justificar sua posição. Um deles é o de que não existiria suporte científico robusto o suficiente para sustentar a indicação das vacinas como melhor forma de prevenção. Outro é o de que os remédios contêm substâncias danosas, como o mercúrio. Há resposta da ciência de qualidade, no entanto, para qualquer um dos questionamentos. Primeiro, as evidências de segurança e eficácia dos imunizantes são fartas. Depois, a certeza de que a presença do mercúrio, por exemplo, não causa qualquer prejuízo ao desenvolvimento das crianças (leia quadro). Também está provado que a vacina contra o sarampo, a caxumba e rubéola não provoca autismo, como sugeriu equivocadamente um trabalho de 1998. Seu autor, Andrew Wakefield, acabou condenado por fraude e o estudo, retirado para sempre da literatura científica.

POR QUE AS VACINAS SÃO IMPORTANTES
– Elas estão entre as principais conquistas da medicina, ao lado dos antibióticos

– Derrubaram o número de casos de doenças infecciosas graves e são responsáveis pela erradicação de outras, como a varíola

– Protegem o indivíduo e também a comunidade

COMO A CIÊNCIA RESPONDE AOS ARGUMENTOS DO MOVIMENTO ANTI-VACINA*
A imunidade natural seria superior à induzida pela vacina Não é razoável pensar em expor as crianças à doenças como sarampo para que adquiram imunidade. Depois, as vacinas oferecem imunidade duradoura e eficiente, embora algumas precisem de reforço

Elas desencadeiam reações auto-imunes Não há evidência cientificamente sustentável de que isso ocorra

Há presença de mercúrio, que poderia prejudicar o desenvolvimento O metal é encontrado somente em frascos de múltiplas doses. E estudo do Centro de Controle de Doenças, com mais de 1000 crianças acompanhadas, não encontrou diferença neurológica, psicológica ou de desenvolvimento nas que receberam maiores quantidades de mercúrio

Elas enfraquecem o sistema imunológico Algumas podem causar suspensão temporária de respostas imunes, mas elas são de curta duração e não aumentam risco de infecção por outros agentes infecciosos.

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